segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Reloginhos que nada dizem

Uma das piores características dos dashboards são os "reloginhos" (gauges). Esses mostradores circulares raramente agregam algo de útil. Não se pode dizer que não agregam inutilidades.
Os dashboards procuram imitar os painéis dos automóveis. Se para conduzir um veículo, posso me basear em mostradores circulares, por que não utilizar o mesmo formato na condução de uma empresa? Os usuários já estão familiarizados com o visual e podemos fazer com que se sinta no comando de uma nave ao utilizar os nossos programas sofisticados de B.I. (Business Intelligence).
Essa é a lógica dos desenvolvedores dos softwares. No entanto, embora possam entender de processamento de grandes bases de dados, integração de sistemas e que tais, escondem seus conhecimentos sobre informação e comunicação. [Há quem diga que o mesmo ocorre sobre a parte de business e de intelligence, mas isto é outra discussão.] Programas caríssimos e de instalação complexa se escondem por trás de cockpits que vão do bizarro ao cômico. Se alguém acha que estou exagerando, consulte, por exemplo, a galeria de horrores apresentada no livro Business Dashboards, de Rasmussen, Chen & Bansal (John Wiley & Sons, 2009). Há um agravante: os autores mostram dashboards de vários fornecedores e sugerem que o leitor se inspire neles. Eles não devem ter lido Information dashboard design de Stephen Few (O'Reilly, 2006) no qual o autor pega exemplos similares e mostra onde e porque falham.
Um dos problemas dos "reloginhos" em sua canhestra imitação dos painéis dos carros é que os propósitos são distintos que um mesmo instrumento não é capaz atender. Ao dirigir, o condutor precisa da informação da velocidade naquele instante, para calcular se é adequada às manobras que precisa fazer, ao tráfego local e para atender os limites da via. Não importa a velocidade que estava um segundo antes ou um minuto antes: apenas a informação instantânea é relevante. O conta-giros tem função similar: não interessa a quantas rpm o motor estava há um segundo, somente o giro no momento é importante para a decisão do motorista. Da mesma forma, o que é importa é saber quanto combustível resta no tanque, para decidir se precisar parar para reabastecer ou não. Ou se o motor está prestes a ferver e, portanto, é prudente parar o veículo ou se está na normalidade.
Para dirigir uma empresa, porém, a informação instantânea é de pouca relevância, exceto em algumas atividades operacionais - o que não é, por definição, função da direção da empresa, que delega a tarefa para as áreas de operação. Como agravante, os reloginhos não mostram um dado instantâneo e sim um evento passado. Mas o que um dado isolado revela sobre o desempenho de uma empresa? Saber que a receita líquida no trimestre anterior foi de $ 387.535.442,61 com margem bruta de 25,8% indica o que? Foi um bom trimestre? Não se pode dizer nada sem saber como é o histórico ou com o estimado. Se nos trimestres anteriores a receita não chegava a $ 300 milhões, poderia se dizer que foi um bom resultado, mas se passava dos $ 500 milhões, é um número pavoroso.
A estética (ou a falta dela) dos dashboards e seus "reloginhos" transborda para outros meios, como os relatórios que as empresas utilizam internamente ou para se comunicar com os públicos externos. As gracinhas visuais se repetem e a informação fica prejudicada.
A figura a seguir foi retirada de um relatório enviado por uma empresa de capital aberto a seus acionistas.
O que se pode avaliar a partir dela? Nada além do que um texto diria. Ou menos do que um tetxo diria, pois pelas escalas apresentadas, a margem bruta de 32,0% está no meio do caminho, assim como a margem líquida de 11,5% e a margem EBITDA atinge apenas um quarto da escala. Será que para estar em linha com a s demais ela deveria ser de 30%?
Veja, porém, os dados colocados em perspectiva. A figura abaixo mostra a evolução dos indicadores nos últimos oito trimestres (em milhões de reais), de forma que se pode avaliar inclusive se há sazonalidade nas vendas e resultados.
Com o mesmo espaço ocupado, muitos dados a mais e uma visão mais nítida de seu desempenho.     Pode-se avaliar com uma passada de olhos ou gastar mais tempo verificando com mais detalhe. Inclusive perceber que a empresa inseriu no relatório para os acionistas o gráfico com os dados do primeiro trimestre em vez do segundo trimestre, algo que ficaria patente ao mostrar a série histórica.

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